22 de maio de 2007

Todas as cores são marrons

Há vezes em que acordo e vejo meu corpo ainda estirado à cama. Parece-me que morri sozinha, quando noto no segundo seguinte que uma multidão transborda de mim: eu sou tudo e nem sabia.
Estou além de minha auto-compreensão, além de tudo o que vejo e quase sinto sabendo que nunca senti. Mas ainda assim vivo das sensações que nunca senti, nunca hei de tocá-las, e mesmo desse jeito vou degustando uma-a-uma. Dor é querer crer no presente e este erro juro não cometer, como quem jura se matar na segunda-feira bem cedo. Se fosse fácil escolher viver todos os dias, eu nunca acordaria. A felicidade está na dor do ter de sobreviver por fraqueza paradoxal. E a mentira está em crer que só um time ganha e que Deus te escolheu em meu lugar. Juro te perdoar se você partir, pois se ficar juro-te também me vingar por dentro.
Se flor não pode ser verde, amarela, roxa e lilás de uma vez só eu também não preciso ser e nem querer. Por que procura todas as cores em mim? Eu só posso te dar um preto e branco fora de foco e contexto. Um montão de conhecimentos pequeninos porque boa em nada sou: também não sou boa em amar. Meu amor é sem foco e objetivo, meu amor é disperso e tem vida própria, não é meu: eu que me apropriei de tal.
Se eu te disser uma coisa, promete não contar? Promete ser só de mim pra você? É que um dia desses vi um pedaço de terra descoberto. Sem nenhuma plantinha a ocupar. Aquele marrom todo descoberto. Pensei comigo: está ai, marrom, cor de terra virgem que ninguém gosta e só é associado com aquela outra coisa que excretamos. O marrom merecia mais respeito. Nunca conheci alguém que gostasse de marrom: por que ninguém gosta de marrom mais do que de outras cores? ...acho que a única cor que reflito é marrom. Percebi agora. E olho fixa à minha pele. É verdade, sou marrom e nunca havia notado. Sou marrom e nunca tinha contado a ninguém; sou marrou e nunca me pintei marrom; sou marrom e nunca me vangloriei por isso; sou marrom e vivi uma vida inteira tentando ter todas as cores, menos marrom. Talvez tenha sido isso que tenha me tornado marrom. Vai saber. Engraçado, agora pensando assim sobre o marrom... O animal que mais gosto é cavalo e a maior parte deles (pelo menos é o que eu acho) são marrons. Acho que no fundo sempre me identifiquei com eles e nem sabia que era pela cor. Agora que sei que tenho a cor do animal que mais gosto, farei questão de me lembrar todos os dias desse fato. Mas não diga isso a mais ninguém, às vezes podem achar estranho. E de críticas estranhas já estou bem arranjada.

- Pode-me trazer mais um café Elis? Eu aceito de bom grado.