29 de janeiro de 2007

200

>>Escuta: Hawaii Aloha - The Strokes
>>Pensa: Ainda bem que existe o Koelho que também gosta de Strokes
>>Sente: Dores na coluna
>>Sonho do dia: Praia :D


Preciso e tenho tanto a dizer,
no em tanto não sei bem o que tenho tanto a dizer. Ainda não me descobri por
completo. Vou me descobrindo por partes e membros. Como bicho que nunca se viu antes. Vou me descobrindo curiosa porque nunca vi nenhuma parte antes e não entendo de onde elas vieram. Nunca ouvi falar de algo assim: nunca visto.
Sinto-me sujamente pura. Um puro tão perturbador que muitas vezes tira meu sono leve e tão necessário. Quero dizer com intenção alguma: Não há motivos concretos para esse meu desespero. De certa forma até há, mas não parece tão intenso. Ah, como sou fraca. Até pareço gato recém nascido, que ainda está tonto do parto. Fico algumas horas em silêncio para ver se me descubro assim. E continuo a ver Nada. Fico tentando desvendar de forma trágica e estúpida meus amados seres vivos. Não sei bem dizer se é coisa terrena o que vejo ou apenas
interplanetária. Fui criada para ser moça recatada, mas parece que a receita deu o oposto. Criei minhas próprias vertigens, meus próprios bloqueios e medos.
Minhas felicidades, verdades e sensações. Nunca fui dona de mim. Assim como
ainda não sei em que ponto exato existo. Ainda não me descobri. Apenas estão
descobertas as mãos. E é de onde vêm todas essas sensações: das mãos. Mais
nenhuma outra parte de meu corpo fora de forma foi descoberto. As pontas dos
dedos dos pés começam a querer sair, mas os pressiono para que voltem ao calor. O que tenho a dizer é um pouco mais do que as pessoas costumam ouvir e isso me dá calafrios. Porque quando os seres (esses que convivo) não estão acostumados
com algo... Oh, Deus, que coisa horrível que é. Eles quase apedrejam. Parece que não gostam do novo, mas parece que gostam menos ainda do estranho ou atípico. Quantas pessoas ainda ficarão para trás graças a esse desprezo? Quantas pessoas a mais terei de provar para reforçar meus erros? Se erro é porque não sei acertar e nem o caminho do certo.
É, eu vi ao longe. Vi umas luzes, umas pessoas querendo ser o que não são convictas de que são. Vi música alta. Porque ao contrario do que muita gente pensa, música é vista. Música é vista, ouvida, sentida, tocada e tudo o que você possa incluir. Vi tantas bobagens e vivi besteiras sem fim e nem ponto de partida. Fui tão malcriada quando criança que até parece deboche dizer essas coisas depois de grande.

Quando ela continua a analisar seus defeitos de fábrica, ou ainda quando analisa seu manto é com boa intenção, pena não ter consciência de como isso a machuca. A auto-análise de Regina ia além de si. A matava por dentro todas as vezes que a fazia. No fundo talvez soubesse disso e por isso a fazia. A cada sonho fracassado derramava tantas lágrimas que poderiam inundar o Sertão de qualquer lugar. Se ela soubesse disso com certeza as teria usado. O peito dela doía, doía, doía.Nossa como doía. Doía porque seu coração era latente, latejante. Seu coração era muito maior do que o comum. Isso a trouxe problemas desde muito cedo. Mas ela não soube disso desde cedo. Foi saber de seu caso quando já tinha seus 45 anos e muitos calos nos dedos. Descobriu junto que essa doença era raríssima. Foi então que não parava mais de pensar: então, enfim, por que eu teria uma coisa rara dessas? Justo ela. - Parece que nunca queremos nada para nós. Mas ela não. Quando notou que se não fosse ela então outro a teria parou de resmungar. Preferiu sofrer ela, só ela, sozinha do que ter de passar essa dor a outro alguém. E isso pode ser interpretado sem mais nem menos. Porque isso não requer segundas interpretações, é apenas isso e só. Sua dor era só essa e só.

Ah, como Regina me cansava. Regina me esgotava, era completamente insaciável. Muito mais insaciável que uma criança de sete anos em pleno clímax de seu ser. Regina tinha dentro de si várias crianças de sete anos e mais um monte de outros garotos de 17: prontos para dar o bote. Mas ela, Regina, nunca
dava bote. Mas estava sempre prestes a da-lo. Era algo raro vê-la se expor pelas ruas. Suas risada era calculada. Só exagerava em ambientes fechados e dos quais obtinha conhecimento. Mas sempre, sempre sorriso moderado. Não tinha nada a ver
comigo. Eu um rapaz quase homem, mas que nunca o seria. Regina sabia, ela sabia bem disso. Tanto sabia que me ignorava, tratava-me mal. Não mal ao ponto de me ofender, mas mal ao ponto de depois emendar uma de suas risadas quase que sarcásticas de tão econômicas. Regina se aproveitava de seu saber sem querer fazer mal, se aproveitava por inércia. Quando via já estava lá ela, jogada em sua propriedade de manipulação.
O gesto mais doce que presenciei de Regina foi um certo olhar. Olhar esse dado da última vez que a vi. Fomos nós e mais uns amigos antigos e apagados do colégio a um parque. Um desses parques grandes de São Paulo que a gente até se perde lá dentro. Bem, estávamos lá todos. Passamos o dia rindo, conversando, andamos de bicicleta. Regina sorriu muito aquele dia. Já era fim de tarde e eu bem sabia a paixão de Regina por fim de tarde e fotos – e eu sempre quis agradá-la, então levei minha máquina semi-profissional e a saquei no momento exato em que o Sol prova a Terra. Ela já havia notado meu movimento arisco desde o principio e foi sorrindo lentamente como criança que presente que irá ganhar um doce. Foi à única vez que a vi abrir um ângulo a mais em seu sorriso e isso ocorreu quando notou que era a tal máquina de tirar retrato. Tiramos alguns. Mas no fim, restava apenas uma foto para ser tirada. Ela, que sabia bem que com ela eu não podia. Olhou-me do pescoço para baixo e disse bem calma em tom moderado: o último retrato deveria ser meu, você não tem nenhum somente meu... E claro, como eu todos sabiam, eu era fraco. Ela se afastou de mim lentamente foi pisando na grama com seus pés macios sentindo cada milímetro de terra que vazava da grama. Ficou ali, em pé, no meio do descampado, com seu vestido leve de algodão caído sobre seu corpo íngreme. Estava ela lá, perto de um logo, ou lagoa, nunca descobri a diferença entre os dois. – Vá, tire o retrato, estou pronta. Foi nesse momento. Nesse segundo que ela olhou para
câmera. Foi à coisa mais doce que vi Regina fazer. Que olhar doce, quanta
falsidade de Regina. Ficou marcado no retrato seu olhar doce que nunca antes
havia lhe possuído. Como Regina era infame e me estonteava. Mas mulher de fato ela nunca foi e sabia, mas o saber dela era tão forte e destemido que temia
dizer-lhe que ela não era mulher, nem aos seus 25 anos. Já ela, abusava e se
lambuzava nas chacotas que me fazia, ela não tinha pena nem dó. Parecia insensível. Mas qualquer um que conversasse com ela por mais de dez minutos
descobria: era um recém nascido pedindo leite de qualquer tipo, só queria algo
para chamar de mãe. Ainda não entendo o que me prendeu tanto a Regina. Ela
nada tinha. Não era a mais bela e nem a mais inteligente da turma de história,
era péssima em datas. Ela também não era charmosa, pelo contrario, era tão seca, mas aparentava transbordar. Ela era puro falsete. Era a mais pura negação de existência ou condição para que tal existisse. Não há muito a que dizer sobre
ela. Era apenas Regina, um recém nascido preso no corpo de uma menina-mulher que parecia forte. Certa vez ela me disse: tudo o que parece é e tudo o que for só aparenta ser. Nunca entendi o que ela quis dizer exatamente. Acho que isso saiu de mais uma de suas auto-analises. Isso agora não importa. Regina que fique
enterrada no passado que insisto em reviver. Já que vida não me vem e vivo de
restos dos corpos que por mim passaram sem deixar rastro de volta. Vou andando como mendigo novo: completamente sem rumo e perdido. Não faz diferença entre ser e pertencer. Afinal, nada modifica o percurso final.

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