21 de agosto de 2004

Vácuo

Gatos cegos me observam. É dia de visita no presídio, e o céu parece boicotar a Lua. Não me diga que hoje não haverá noite e que os lobos não iram uivar. Está tarde demais para um aviso prévio.
Eu tentei explicar por diversas vezes! Não se vá, pois Jeová já vem. Não chore meu bem, teu pranto não é véu nem o céu. Não me fale de seu dia, pois o meu foi ruim. Não me diga que o Sol não vem. Eu queria nina-lo. Eu queria abraça-lo e beija-lo. Queria toca-lo e vê-lo.
Pare de ouvir Strokes e perceba que o dia não chega.
Há caminhões de mudança lá fora e meu dia não amanhece, você me explica?
Não há vida, não há dor, não há flor. Só há discordância e hemofilia. Eu não quero viajar de manhã, não estou empolgada. Maria disse estar com ciúmes de nossa relação platônica. Isso não é estranho?
Tem um desenho para você ver mais tarde. Pode ser um alto-retrato. Ou um pássaro campestre. Hoje em dia as pessoas não se importam com os pássaros, mas eles são lindos.
Amanhã é dia de protesto, dia de verdade e realidade. Felicidade momentânea.
Lá em baixo há gritos de mendigos e fingidos, é tanta mentira que fede. E eu estou tão, natural. Não sei decifrar ou reavivar as palavras que parecem já saírem mortas da minha mente.
Pálidas veias sangüíneas e falsas carnes bovinas é tudo o que penso. Não quero mais sentir o cheiro de morte serena ou de vida Severina.
Tem muito papel amassado em cima da cama, e isso me irrita!!!
E você mais uma vez não tem nada haver com isso!
Suma! Porque sonhei com você essa noite. Estou com tudo e não vou para a balada. Estou com tudo e com todos e nem preciso sair do meu acento.
Teu sorriso me intriga e me rodeia. Não sou alma penada, mas se sinto assustadora como fada de regime. Na lavanderia há mais sabão para você se limpar da poluição extraluminosa.
O João me disse que você foi ao asilo hoje e contou história de guerra para os guerrilheiros navais. Mas acho que foi mentira sua.
Lá fora você diz dormir, mas aqui dentro só sabe mentir.
O pão não Será posto a prova e a chamada oral de matemática não será feita porque eu fiz o meu dever.
Ela colocou um brinco no nariz e disse que é moda. Eu acho que ela está louca, bêbada, nem sei.
O relógio está brecado no 11 e não tem ninguém por aqui que o conserte. Você sabe?
Ontem não teve Sol, Não teve Lua, mas teve a minha visão panorâmica no local. Isso tudo é para dizer que lá fora não há, não é.
Isso é para te explicar que não está e não foi. É para você entender de uma vez por todas que não veio, que não chega e que eu não acho nada. Mas lá fora há “it”. Clarice que me perdooe. Mas há “it”.
Há poeira de nevoa vagando pelo mar que bate nas rochas antigas. Há sossego e véspera, vesperina. E tudo isso é só para dizer que não há mais Dia nem Noite. Não há vida quando se abre a cortina, não há gato que suporte o ar e não há vaca que paste no vácuo.